domingo, 31 de agosto de 2008

O Tempo em Santo Agostinho

STORT, Guilherme Miranda.
Faculdade Católica de Uberlândia-MG.

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo discutir a problemática sobre o tempo. Nós vivemos nele, mas quando perguntamos para alguém nem sempre as pessoas sabem responder o que seja o tempo. Agostinho busca uma explicação filosófica tendo como princípio Deus criador de todas as coisas e por ele ter realizado este ato não poderia existir outro tempo antes da criação. Dessa forma, o tempo teve o seu início a partir da criação divina. Conseqüentemente, as coisas foram criadas em um tempo que também foi feito por Deus. Logo, Deus não está sujeito ao tempo, Ele é eterno. Deus é sempre presente, pois o passado já não existe e o futuro ainda não chegou. Daí, a idéia de eternidade. Podemos dizer que começamos a viver à eternidade aqui na Terra, por estarmos presentes na história. Iremos vivenciá-la com plenitude quando chegar o momento da nossa morte e então, entraremos no tempo de Deus que é a eternidade. Assim, estaremos vivendo em um eterno presente.

PALAVRA-CHAVE: Tempo, Deus, presente, passado, futuro e eternidade.



Introdução

Pretendemos com este trabalho demonstrar que as pessoas devidas o acúmulo de trabalho que existem para serem executados não tem tempo para vivenciar com a sua família um momento de lazer. Afinal, o que é o tempo?
Para o senso comum talvez não interessa saber o que seja o tempo ou talvez seja um assunto que não tenha muita importância. O curioso que diante de uma pergunta aparentemente simples, não sabemos responder espontaneamente o que seja o tempo.
O dicionário traz alguns conceitos do que seja o tempo: ‘duração das coisas, sucessão de dias, horas, momentos; períodos; época; estado atmosférico’. Com isso, veremos que o tempo faz presença em todas as áreas da sociedade.
Vamos refletir através do pensamento agostiniano como se desenvolve as investigações acerca da problemática colocada em questão.
Agostinho na obra Confissões questiona se existia tempo antes da criação do mundo. Sendo Deus criador de todas as coisas, este filósofo chega a uma conclusão que o tempo também é uma criação de Deus e por isso não poderia existir um tempo antes da criação. As criaturas estão sujeitas ao tempo, elas são transitórias enquanto que Deus é imutável.
Dessa forma, o tempo é movimento e a idéia de passado e futuro estão vinculados aos homens. Deus é presente, eternidade.
A eternidade é um permanente presente, este é o tempo de Deus.
O tempo de Deus será vivenciado quando deixarmos esta Terra e entrarmos definitivamente na morada d’Aquele que é o autor de todas as coisas, enquanto, que o tempo criado pela obra divina, nos oferece a oportunidade de constituir uma família, um trabalho para manter a nossa subsistência.
Veremos também, que a eternidade é possível de ser iniciada aqui na Terra, isto é, através da nossa presença na história, mas assumiremos verdadeiramente a eternidade quando adentrarmos no tempo de Deus.
Concluiremos, dizendo que não há um instrumento físico para medir a longevidade ou a brevidade do tempo, aliás, só poderemos medir através da nossa alma (mente, memória), é ela que nos possibilita perceber quanto tempo já passou ou quanto tempo ainda falta para a realização de alguma coisa.

1. O que é o tempo?

Esta pergunta pode nos parecer estranha. Poderíamos fazer inúmeras indagações a respeito desta questão (o que é o tempo?). Mas nós seres humanos estamos preocupados em cumprir a nossa carga horária de trabalho e por isso nem paramos para refletir sobre este assunto.
No cotidiano dizemos que não tenho tempo de sair de casa para praticar algum esporte, para namorar, visitar um amigo, ir ao bar, para se divertir. Isto é, devido o acúmulo de trabalho que queremos executar não temos tempo para sair da rotina e vivenciar com nossa família um momento de lazer. Afinal, o que é o tempo?
Para o senso comum o tempo talvez seja uma questão sem importância, mas na verdade essas pessoas nem percebem que o tempo é de tal complexidade que quando perguntamos para alguém talvez a pessoa entrevista demore um pouco para responder, ou talvez nem tenha uma resposta pronta, acabada, formulada para dar espontaneamente.
Mas o que as pessoas não percebem é que o tempo faz parte do nosso cotidiano, podemos até dizer que não é possível viver sem o tempo, porque ele se faz presença na vida, no espaço em que vivemos. Porque tudo que nós fazemos ou executamos na nossa caminhada terrestre está vinculado ao tempo.
No dicionário da língua portuguesa encontramos as seguintes definições sobre o tempo: “duração das coisas, sucessão de dias, horas, momentos; períodos; época; estado atmosférico, (mus.) duração de cada parte de compasso; (gram.) flexão indicativa do momonto a que se refere o estado ou a ação dos verbos; (astron.) o que decorre entre duas passagens consecutivas da terra pelo mesmo ponto de sua órbita.” (Bandeira, 1996. p.759).
Com estas definições dadas pelo dicionário, podemos observar que o tempo está presente no cotidiano das pessoas sejam do senso comum ou dos intelectuais, dos lingüistas quando são elaborados os tempos verbais da língua, está presente na previsão meteorológica dada pelos tele-jornais. Assim, convivemos no tempo sem saber explicar o que ele seja.

2. O tempo passado, presente e futuro
Estes questionamentos acerca do que seja o tempo, foi uma das indagações feita por um filósofo da patrística chamado Aurelius Augustinus (Aurélio Agostinho), popularmente conhecido como Santo Agostinho, o qual refletiu sobre este complexo tema.
Agostinho de Hipona, utilizando princípios filosóficos, inicia-se uma importante averiguação sobre o problema do tempo. Ele na obra Confissões, levanta vários conflitos acerca desta problemática.
O filósofo de Hipona inicia sua investigação partindo do questionamento se antes da criação do mundo (realizada por Deus), existia o tempo:

(...) Ó Deus, que tudo podes, tudo crias e tudo dominas, autor do céu e da terra, se esse espírito se admirar que tu te tenhas mantido inativo por inúmeros séculos antes de empreendestes a criação, que ele procure despertar e observar que o seu espanto não tem fundamento. De onde poderiam vir e como poderiam transcorrer os inumeráveis séculos, se não os tivesses criado, tu que és o autor e criador de todos os séculos? Que tempo poderia existir, se não fosse estabelecido por ti? E como poderia esse tempo transcorrer, se nunca tivesse existido? Portanto, sendo tu o Criador de todos os tempos – se é que existiu algum tempo antes da criação do céu e da terra – como se pode dizer que cessavas de agir? De fato, foste tu que criaste o próprio tempo, e ele na podia decorrer antes de o criares (...). (AGOSTINHO, 1984. p. 316)

Com esta citação, podemos observar que Agostinho levanta inúmeras interrogações sobre este tema (o tempo). Este filósofo chega a uma conclusão de que Deus também é criador do tempo, ou seja, ele surge a partir da criação de todas as outras coisas (firmamento, aves, répteis, ser humano), pois não tem possibilidade daquilo que ainda não foi criado ter transitoriedade.
Dessa forma, as criaturas são sujeitas ao tempo e Deus sendo criador, não está no tempo. Disso pode afirmar que somente as criaturas irão se corromper porque tudo que houve início está sujeito às conseqüências do tempo e ele provoca decadência. O tempo é transitoriedade, ele percorre dias, meses e anos, com ele, toda a criação vai sendo transformada.
Sendo o tempo movimento, os conceitos de passado e futuro, estão vinculados ao homem. Pois para Deus não há passado e futuro. Deus é sempre presente. Sempre hoje, agora. Foi a partir do presente que Deus fez a criação.
Disso chega a questão de eternidade. Costumamos dizer que Deus é eterno. E Ele o é. Podemos usar a lógica para argumentar sobre a eternidade de Deus.

Mas não é no tempo que tu precedes os tempos, pois, doutro modo não serias anterior a todos os tempos. Precedes, porém, todo o passado com a sublimidade de tua eternidade sempre presente, e dominas todo o futuro porque é ainda futuro, e, quando vier tornar-se-á passado. Tu, porém, és sempre o mesmo, e os teus anos jamais terão fim. Os teus anos não vão nem vêm, ao passo que os nossos vão e vêm, para que venham todos. (...) (AGOSTINHO, 1984. p. 317)

Deus sendo criador de todas as coisas, não é sujeito ao tempo, pois o tempo passa a existir a partir da criação, logo, Ele (Deus) já existia antes do tempo. Não teria possibilidade de haver um tempo em que Deus estava sujeito ao tempo, por ele ser Criador de todas as coisas. Mas como Deus não está sujeito ao tempo e quem está sujeito a este tempo são as criaturas, logo, a idéia de passado e futuro estão no tempo transitório e não no tempo de Deus.
O tempo de Deus é presente, não existe o passado e nem o futuro. Estes conceitos só existem para os seres que estão submetidos ao tempo criado por Deus. O tempo enquanto criatura é este que estamos vivendo, onde nos dá oportunidade para trabalhar, constituir família, criar vínculos de amizades. O tempo de Deus, nós iremos fazer parte dele quando nós não mais estivermos sujeitos ao tempo enquanto criatura de Deus. Este será o momento em que nós iremos assumir a nossa eternidade, deixando o transitório para viver a eternidade em Deus.
Sendo que o tempo presente para Deus é a eternidade, podemos dizer que já estamos iniciando a eternidade no aqui, agora, no hoje de nossas vidas. Isto é possível, pelo fato, do presente fazer parte de nossa história. O presente dá o espaço para o passado e futuro ainda não nos pertence, mas quando chegar o futuro, o presente dará o seu lugar para este, e o presente que é, será passado.
Dessa forma, viver a eternidade não significa que já a assumimos, pois ela não está sujeita ao tempo, ela inicia na Terra. Só iremos assumi-la verdadeiramente, quando nos desligarmos desse tempo transitório.

“(...) Os teus anos existem juntos, porque são fixos e não são expulsos pelos que vêm, porque não passam. Os nossos pelo contrário, só poderão existir todos quando já todos não existirem. Os teus anos são como um só dia, e o teu dia não é cada dia, mas hoje, porque o teu hoje não cede lugar ao amanhã nem sucedeu ao ontem. O teu hoje é eternidade. Por isso geraste coeterno contigo aquele a quem disseste: Eu hoje te gerei. Criaste todos os tempos e existes antes de todos os tempos. E não existia tempo quando não havia tempo”. (AGOSTINHO, 1984. p. 317)

Com base na citação, podemos dizer que o tempo de Deus não é o mesmo dos homens. Muitas pessoas pensam quando nascemos já estamos destinados a uma determinada data em que iremos morrer.
Considerando a afirmação anterior, nós estamos destinados ao hoje, mas não sabemos qual será o hoje em que iremos adentrar no tempo de Deus. O hoje cabe a cada um de nós experienciarmos para saber se já chegou o momento de sairmos deste tempo e entrar no outro tempo que é a eternidade – como diz a citação acima – ‘Os teus anos são como um só dia, e o teu dia não é cada dia, mas hoje, porque o teu hoje não cede lugar ao amanhã nem sucedeu ao ontem’.
Deus não necessita de dias. Ele sempre será o hoje, um só dia. Dessa forma, o tempo de Deus que é a eternidade não passa, é um agora permanente, enquanto que o tempo dos homens é um agora que passa.
Com isso, dizemos que “o tempo não existe fora de nós. Não existem, fora de nós nem o passado nem o futuro. (...)”. (MONDIN, 1981. p. 142). Nós passamos. Nós enquanto seres criados por Deus são finitos e junto com a nossa matéria iremos envelhecendo dia após dia até chegar a um fim, que é a morte. Mas para Agostinho não terminaremos nesse estágio da existência, iremos passar para um novo tempo, onde viveremos com o Criador do tempo Deus. Podemos dizer, que estaremos pertencendo ao tempo de Deus, ao verdadeiro hoje, aquele que é eternidade.
Dessa forma, não podemos medir o tempo. Aliás, a medida do tempo só pode ser possível através da nossa alma, na qual o tempo deixa uma impressão dos fatos acontecidos.

Em ti, ó meu espírito, meço os tempos (...) Meço a impressão que as coisas gravam em ti à sua passagem, impressão que permanece ainda depois de elas terem passado. Meço-a enquanto é presente, e não aquelas coisas que se sucederam para a impressão ser produzida. É a essa impressão ou percepção que eu meço quando meço os tempos. (MONDIN, 1981. p. 143)

Com isso, não existe um instrumento físico para medir o tempo. Porque ele não é concreto, sendo que o passado já passou, o presente sede o lugar para passado e o futuro ainda não chegou, por isso não será possível medir. Somente o fica depois de ter passado que será possível dizer a brevidade ou a longevidade do tempo.
Isto se dá através da alma (memória). A medida do tempo só pode ser efetuada – como vimos acima – a partir deste princípio chamado mente. Ela nos dá a capacidade de perceber quando que algo aconteceu ou quanto tempo está faltando para a realização de alguma coisa.

Conclusão

O tempo para o senso comum parece como algo sem importância, mas quando interrogado não sabe responder de forma espontânea. O interessante é que vivemos no cotidiano, mas não paramos para refletir sobre ele. Buscamos conceitos já formulados atrás de dicionários que diz que tempo é duração das coisas, sucessão de dias, horas, períodos.
Agostinho sendo um questionador, na obra Confissões reflete sobre este tema. Ele parte da idéia de que Deus é criador de todas as coisas, inclusive do tempo, no qual todas as criaturas estão sujeitas.
É no tempo que as coisas são transformadas. Daí, o tempo é transitoriedade. Só o Criador não está sujeito à imutabilidade, porque a criatura não pode ser superior ao criador. Sendo assim, Agostinho conclui que antes de Deus não havia tempo. O tempo surge a partir do “faz-se” dito por Deus.
Os conceitos que temos de passado e futuro são pertencentes aos humanos, porque está sujeito ao movimento do próprio tempo. Não há um instrumento físico capaz de medir o movimento da temporalidade.
O presente para o homem oferece o seu espaço para o passado e o futuro ainda não chegou e quando chegar será presente e que será passado, assim, seqüencialmente.
Deus por não ser movido, é sempre presente. Eis o conceito de eternidade.
A eternidade é iniciada aqui na Terra. Isto é possível, pelo fato de sermos pertencentes à história, mas viveremos com toda a plenitude quando sairmos deste mundo por meio da morte e adentrarmos no tempo de Deus.
Neste tempo, viveremos com o Autor de todas coisas em um eterno presente.
Portanto, ‘o tempo não existe fora de nós. Não existem fora de nós nem o passado nem o futuro’, porque nós passamos. Somos seres de finitude.
O único meio de conseguirmos medir o tempo será através da alma. É ela que nos possibilita medir a longevidade ou a brevidade para conquistar algo que necessitamos à nossa existência humana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução de Maria Luiza Jardim Amarante. 11ª ed. São Paulo: Paulus, 1984.

BANDEIRA, Carlos Alberto Ramos. Moderno dicionário internacional de línguas. Belo Horizonte: Program LTDA, 1996.

MONDIN, Batista. Curso de filosofia. Vol. I. 9ª ed. São Paulo: Paulus, 1981.

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